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sexta-feira, fevereiro 27, 2004

sou perseguido por jornais.acumulam-se na minha vida como uma
praga.guardo tudo.nunca consigo lêr nada.por vezes tenho ataques sádicos e leio 15 ou 20 de uma vez, numa tarde de sábado.faço recortes.leio noticias com 3 meses de atraso, descubro exposições magníficas que já não estão em cartaz, entrevistas fabulosas sobre assuntos que já perderam a importância, notícias sobre pessoas vivas que entretanto já morreram.às vezes entro em pânico e destruo tudo, dou à vizinha para embrulhar o peixe e o cocó do cão.muitas vezes arrependo-me e volto atrás, chego a ir ao lixo à procura de uma crítica de música que afinal era tudo para mim, de um nome de alguém que afinal me faz sentido, de uma fotografia, de um texto sobre um filme.eu odeio jornais,mas não posso passar sem o cheiro da tinta, sem o ritual.os jornais deveriam ser objectos de arte, intocáveis, coisas para pendurar na parede, memoriais, diários de vida, coisas fora do quotidiano.gostava de poder contar tudo isto à minha vizinha que embrulha o peixe com a morte dos outros, todos os dias, sem ninguém saber.

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