sábado, março 20, 2004
O Coelho Da Pâscoa
The Passion of the Christ, de Mel Gibson
se viesse a conhecer o Mel Gibson, provavelmente detestá-lo –ia, fugiria da sua presença como o diabo da cruz, por-me-ia a milhas assim que pudesse. no entanto não posso deixar de lhe reconhecer uma coragem inaudita ao conceber, produzir e realizar este filme. a visão do filme de Gibson, profundamente maniqueísta, conservadora, religiosamente retrógrada, de um fanatismo religioso assumido dá-nos no entanto, sem margens para dúvidas, a verdadeira essência do cristianismo: pecado, sofrimento e expiação. o cristo gore de gibson, sem qualquer dimensão espiritual, procura unicamente retratar realisticamente o processo sacrificial do corpo de Cristo, sem grandes considerações espirituais ou envolvimentos dramáticos. a fraqueza do filme é assim a sua maior força, enquanto objecto cinematográfico, trazendo-nos uma visão crua e pornográfica da violência abatida sobre o corpo de cristo, obrigando-nos a participar nela a cada momento e sem concessões, sob pena de o filme nos passar ao lado, a observarmos com minúcia cada chaga, cada bocado arrancado à carne, cada golpe, cada flagelação, cada fustigação abatida sobre o corpo, até sucumbirmos à dimensão da carne supliciada e nos deixemos inundar inexoravelmente pelo sangue derramado. filme construído unicamente sobre o processo de crucificação de Jesus e destinado a violentar-nos internamente, e que faz uma apologia incondicional do sofrimento como instrumento de salvação do homem, é salvo do niilismo e da ignominia pelo contexto mítico das escrituras, pois, se retiramos o suporte religioso no qual se baseia o filme, estaríamos apenas em presença de um objecto fílmico sobre o processo realista do flagelamento e suplicio gratuitos de um corpo até à morte final pela crucificação. Gibson opta assim, por uma encenação teatral, artificial, rude, onde todos os personagens bíblicos, como por exemplo maria e maria magdalena, se destinam apenas a dar espessura física ao mecanismo de supliciação, servindo, perante os nosso olhos de meros condutores para o sofrimento incomensurável de Cristo, ora lavando o chão empapado de sangue com panos brancos ou beijando-lhe os pés ensanguentados. filme profundamente centrado nos aspectos sadomasoquistas do cristianismo, elege o corpo desfigurado de um Cristo sobre humano, reduzido à sua carnalidade ensanguentada, obrigando-nos a enfrentar o horror e a violência sem concessões. se não atendermos ao maniqueísmo cortante do filme, a paixão de Cristo constitui um filme único, destinado a ser odiado ou amado, mas com o enorme mérito de nos obrigar a enfrentar o horror da violência humana, independentemente de perspectivas religiosas. Um filme iconográfico, cru e terrível que possibilita uma reflexão cortante sobre a dor,a religião e o homem.
The Passion of the Christ, de Mel Gibson
se viesse a conhecer o Mel Gibson, provavelmente detestá-lo –ia, fugiria da sua presença como o diabo da cruz, por-me-ia a milhas assim que pudesse. no entanto não posso deixar de lhe reconhecer uma coragem inaudita ao conceber, produzir e realizar este filme. a visão do filme de Gibson, profundamente maniqueísta, conservadora, religiosamente retrógrada, de um fanatismo religioso assumido dá-nos no entanto, sem margens para dúvidas, a verdadeira essência do cristianismo: pecado, sofrimento e expiação. o cristo gore de gibson, sem qualquer dimensão espiritual, procura unicamente retratar realisticamente o processo sacrificial do corpo de Cristo, sem grandes considerações espirituais ou envolvimentos dramáticos. a fraqueza do filme é assim a sua maior força, enquanto objecto cinematográfico, trazendo-nos uma visão crua e pornográfica da violência abatida sobre o corpo de cristo, obrigando-nos a participar nela a cada momento e sem concessões, sob pena de o filme nos passar ao lado, a observarmos com minúcia cada chaga, cada bocado arrancado à carne, cada golpe, cada flagelação, cada fustigação abatida sobre o corpo, até sucumbirmos à dimensão da carne supliciada e nos deixemos inundar inexoravelmente pelo sangue derramado. filme construído unicamente sobre o processo de crucificação de Jesus e destinado a violentar-nos internamente, e que faz uma apologia incondicional do sofrimento como instrumento de salvação do homem, é salvo do niilismo e da ignominia pelo contexto mítico das escrituras, pois, se retiramos o suporte religioso no qual se baseia o filme, estaríamos apenas em presença de um objecto fílmico sobre o processo realista do flagelamento e suplicio gratuitos de um corpo até à morte final pela crucificação. Gibson opta assim, por uma encenação teatral, artificial, rude, onde todos os personagens bíblicos, como por exemplo maria e maria magdalena, se destinam apenas a dar espessura física ao mecanismo de supliciação, servindo, perante os nosso olhos de meros condutores para o sofrimento incomensurável de Cristo, ora lavando o chão empapado de sangue com panos brancos ou beijando-lhe os pés ensanguentados. filme profundamente centrado nos aspectos sadomasoquistas do cristianismo, elege o corpo desfigurado de um Cristo sobre humano, reduzido à sua carnalidade ensanguentada, obrigando-nos a enfrentar o horror e a violência sem concessões. se não atendermos ao maniqueísmo cortante do filme, a paixão de Cristo constitui um filme único, destinado a ser odiado ou amado, mas com o enorme mérito de nos obrigar a enfrentar o horror da violência humana, independentemente de perspectivas religiosas. Um filme iconográfico, cru e terrível que possibilita uma reflexão cortante sobre a dor,a religião e o homem.