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domingo, maio 02, 2004

Coelhos, Asfalto e melancolia


"The Brown Bunny", de Vincent Gallo


Ora aqui está uma proeza da qual poucos se conseguirão gabar; por a América no umbigo e ainda receber uma sessão de sexo oral da Chloe Sevigny e colocar toda a gente (intelectuais com óculos de aros pretos, críticos de cinema regionais, meninas em anseio de desfloração e velhinhas apanhadas de surpresa, entre outras categorias prováveis) a falar disso. E o filme é bom? não mas poderia ser se não estivesse contaminado pelo seu autor. É que temos de levar com vincent gallo até à exaustão. O filme é o corpo de gallo, as expressões sofridas de gallo, os cabelos de gallo, o gallo a conduzir, a lavar a cara em casas de banho de serviço, o gallo a andar de mota, o gallo a conduzir novamente, o galo em sofrimento existencial, os cabelos de gallo, o pénis de gallo, a melancolia de gallo, a solidão de gallo. Não fosse esta contaminação artificial, em pleno exercício narcisista de auto felação ( a Chloe Sevigny só entra para disfarçar) o filme poderia ser uma contemplação incisiva da solidão de um homem em travessia e em perda por uma América crua e desolada. assim, com gallo a transbordar do seu ego, o espectador sente-se invadido por um corpo que lhe é estranho. gallo é um sofredor mas o sofrimento dele, dandy, bacoco, estudado, não nos atinge, exceptuando umas quantas rapariguinhas em cio e em desvelo erótico sentimental. sim, o filme tem algumas coisas boas, mas é quando gallo nos salta para fora da vista ( como por exemplo quando gallo se afasta de moto, pelo deserto de sal, numa das sequências mais bonitas do filme), quando o asfalto se enche de música crepuscular e nos é devolvido o olhar. Exercício de melancolia artificial e trabalhada, o filme sofre por essa fabricação dramático-existêncial de um homem em desespero interno. Quanto à já famosa cena da felação diga-se que só é estragada pela voz de falsete melancólica irritante de gallo. O homem tem um pénis competente (a metáfora do coelho não é certamente sexual) e a Chloe Sevigny consegue o milagre de tornar a cena incrivelmente intensa e crua. fora isto temos o vazio de um homem que quer ser mais do que o seu pénis. alguém se lembra a melhor forma de comer um coelho de chocolate sem enjoar?

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