quarta-feira, julho 20, 2005
CRASH, EMBATE NO MEU CORPO NA NEVE
Este filme de Paul Haggis, em português Colisão (não confundir com o do Cronenberg) é muito, muito bom. está dito.
Este filme de Paul Haggis, em português Colisão (não confundir com o do Cronenberg) é muito, muito bom. está dito.
terça-feira, julho 19, 2005
ILUMINURA
Às tardes, o sol vinha muito baixo e as mãos gastavam as letras pelos dias iluminados, os livros poisados nas pernas como uma intromissão na estação engoliam as tardes sem licença, as letras bocas muito ferozes, às vezes doces, as tardes caídas sempre pelo voo dos pássaros à volta dos telhados onde ruíram vagas as casas todas pelos anos que fui em muitos verões.
terça-feira, julho 12, 2005
MÚSICA QUE ACORDA OS MORTOS
Ressuscitado depois de um sono criogénico, diga-se, um sono muito pouco feliz, regresso pelas mãos da lebre a uma qualquer pradaria
1. Total music volume in my computer:
não sei, perdi a conta, na verdade é tudo um pântano de pastas à procura de mim
2. The last CD I bought:
Não me lembro, mas foi qualquer coisa em saldo e sem plástico
4. Five songs I listen to a lot lately, or that mean a lot to me:
esta é complicada e quase, quase aleatória e aplica-se só à primeira parte
1 - lisa bassenge trio - like a virgen
2 - antony and the johnsons - the lake
3 - celso fonseca - um mundo estranho
4 - lowligths - dim star
5 - arcade fire - old flame
Starfour people to whom I'm passing the baton:
ninguém, o que pode ser uma infelicidade brutal, não é?
Ressuscitado depois de um sono criogénico, diga-se, um sono muito pouco feliz, regresso pelas mãos da lebre a uma qualquer pradaria
1. Total music volume in my computer:
não sei, perdi a conta, na verdade é tudo um pântano de pastas à procura de mim
2. The last CD I bought:
Não me lembro, mas foi qualquer coisa em saldo e sem plástico
4. Five songs I listen to a lot lately, or that mean a lot to me:
esta é complicada e quase, quase aleatória e aplica-se só à primeira parte
1 - lisa bassenge trio - like a virgen
2 - antony and the johnsons - the lake
3 - celso fonseca - um mundo estranho
4 - lowligths - dim star
5 - arcade fire - old flame
Starfour people to whom I'm passing the baton:
ninguém, o que pode ser uma infelicidade brutal, não é?
domingo, novembro 07, 2004
NOSTALGIA
Por causa do post anterior fiquei com vontade de rever o Asas do Desejo.
Pois, nostalgia, carne e pedra.
Por causa do post anterior fiquei com vontade de rever o Asas do Desejo.
Pois, nostalgia, carne e pedra.
Ó WIM, A GENTE PERDOA-TE OS MAUS FILMES, PÁ
Desde sempre a música teve um papel preponderante no cinema de Wim Wenders, enquanto envolvência estética e perfeita comunicação com as imagens e o espectador, como por exemplo na obra prima que é Alice nas Cidades (e não é dos títulos de filmes mais bonitos de sempre?), com a magnifica banda sonora dos Can, ou nesse expoente máximo da obra de Wenders que é o Asas do Desejo (nota: passa hoje na RTP, em horário não avalizado) com a inesquecível presença do Nick Cave a cantar mesmo em frente dos nossos olhos, num circo decadente. E com a banda sonora de Until the end of the world, wenders logrou mesmo alcançar o grande público com uma BSO onde davam ares da sua graça nada mais nada menos que os nossos amiguinhos Talking Heads, a evanescente e angélico-kitsch Julee Cruise, o gajo mais feio da música ex-aquo com o Iggy Pop,, o Lou Reed, novamente os Can, os REM, o Elvis Costello, mais uma vez o Nick Cave & The Bad Seeds, os Depeche Mode, a Patti Smith, e os U2. Coisas bastantes comestíveis portanto (com excepção dos U2 que me dão um pouco de azia) e tudo num filme só, o que é obra. E, last but not the list, com o Buena Vista Social Club, Wenders entra decididamente na divulgação maciça da banda sonora, onde ressuscitou os Buena Vista do limbo onde já se preparavam para terminar os seus último serões, com o sucesso que se viu. E, mais aqui para o burgo, o homem anda se atirou de boca cheia aos Madredeus, com o Lisbon Story, com resultados bastante infelizes, mas que resultaram em mais um excelente disco da Teresa Salgueiro e companhia, que na altura não chateavam tanto a malta com o mar, a saudade e o infinito. Ora com o novo filme, Land Of Plenty, temos uma nova banda sonora recheada de coisas boas, o que não deixa de ser importante, até porque o filme apesar de escoreito, não deixa de ser bastante sensaborão e nada acrescentar à obra do cineasta, que de facto já conheceu melhores dias. E quanto à banda sonora? Ora tomem lá: Leonard Cohen (em dose dupla), David Bowie, Travis, e bastante surpresas, mais ou menos desconhecidas.Toca a ouvir, pois pois, se fecharem um bocadinho os olhos não importa nada.
Álbum da semana: Arve Henriksen – Chiaroescuro
Cover da semana: The Faint – Enola Gay
Tusa da semana: a Emilie Simon a cantar Flowers
Desde sempre a música teve um papel preponderante no cinema de Wim Wenders, enquanto envolvência estética e perfeita comunicação com as imagens e o espectador, como por exemplo na obra prima que é Alice nas Cidades (e não é dos títulos de filmes mais bonitos de sempre?), com a magnifica banda sonora dos Can, ou nesse expoente máximo da obra de Wenders que é o Asas do Desejo (nota: passa hoje na RTP, em horário não avalizado) com a inesquecível presença do Nick Cave a cantar mesmo em frente dos nossos olhos, num circo decadente. E com a banda sonora de Until the end of the world, wenders logrou mesmo alcançar o grande público com uma BSO onde davam ares da sua graça nada mais nada menos que os nossos amiguinhos Talking Heads, a evanescente e angélico-kitsch Julee Cruise, o gajo mais feio da música ex-aquo com o Iggy Pop,, o Lou Reed, novamente os Can, os REM, o Elvis Costello, mais uma vez o Nick Cave & The Bad Seeds, os Depeche Mode, a Patti Smith, e os U2. Coisas bastantes comestíveis portanto (com excepção dos U2 que me dão um pouco de azia) e tudo num filme só, o que é obra. E, last but not the list, com o Buena Vista Social Club, Wenders entra decididamente na divulgação maciça da banda sonora, onde ressuscitou os Buena Vista do limbo onde já se preparavam para terminar os seus último serões, com o sucesso que se viu. E, mais aqui para o burgo, o homem anda se atirou de boca cheia aos Madredeus, com o Lisbon Story, com resultados bastante infelizes, mas que resultaram em mais um excelente disco da Teresa Salgueiro e companhia, que na altura não chateavam tanto a malta com o mar, a saudade e o infinito. Ora com o novo filme, Land Of Plenty, temos uma nova banda sonora recheada de coisas boas, o que não deixa de ser importante, até porque o filme apesar de escoreito, não deixa de ser bastante sensaborão e nada acrescentar à obra do cineasta, que de facto já conheceu melhores dias. E quanto à banda sonora? Ora tomem lá: Leonard Cohen (em dose dupla), David Bowie, Travis, e bastante surpresas, mais ou menos desconhecidas.Toca a ouvir, pois pois, se fecharem um bocadinho os olhos não importa nada.
Álbum da semana: Arve Henriksen – Chiaroescuro
Cover da semana: The Faint – Enola Gay
Tusa da semana: a Emilie Simon a cantar Flowers
segunda-feira, outubro 18, 2004
Acabado de chegar do encerramento da 5ª Festa do Cinema Francês, ainda em estado de choque pelo final brutal de Twentynine Palms, de Bruno Dumont, sinto-me imprestável para escrever qualquer linha. Assim, aproveito o embalo para dizer que o dito festival, para além de grandes filmes trouxe muito boa música. A saber: 5x2 do François Ozon, trouxe-nos o Paolo Conte (já em Sous Le Sable, os Portishead tinham uma presença avassaladora…), 2046 o último e esperado filme de Wong Kar-Wai (prodigioso, em versão remix de In The Mood For Love misturado com science fiction), detentor de mais uma banda sonora sensual e hipnótica, com Nat king Cole como mestre de cerimónia na China dos anos 60, embutido em cabarets pardacentos e hotéis de 3º categoria, Ils se marièrent et eurent beaucop d´infants, tem as improváveis combinações de Radiohead, Brad Mehldau, Velvet Underground e Sparklehorse (lembram-se do Good Morning Spider?), Immortel [ad vitam], de Bilal (Filme fabuloso, para fãs e não só…) com Alain Bashung, Julie London e Julie Delpy, entre falcões deuses e paridoras celestiais, Notre Musique do já meio demente Jean-Luc Godard, Meredith Monk e Arvo Pärt, meus preferidos entre vários distintos, e o já exibido comercialmente em Lisboa, na minha primeira sessão solitária de cinema (meia noite, eu as cadeiras e as pulgas), o imprescindível filme do Patrice Chéreau, O seu irmão, com a diva negra Marianne Faithfull. Como é que se diz that´s all folks em francês?
domingo, outubro 03, 2004
PAPAR FILMES COMO PIPOCAS SALGADAS
Lisboa anda inundada de festivais, uns melhor do que outros, e com perspectivas e objectivos diferentes. Acabado de entrar em finados o Indie Lisboa, o 1º Festival Internacional de Cinema Independente aqui do burgo, já anda por aí a cheirar a 5ª Festa do Cinema Francês. Os dias felizes andam a papar filmes compulsivamente. Hoje foram mais dois, de enfiada, no encerramento do Indie, para compensar a dor de alma de não poder ir ver o Super Size Me:
Struggle
Austria 2003
Realização e Produção: Ruth Mader
Filme brutal em que a luta diária pela existência, quer material, quer afectiva, assume o caminho do desespero. Tem uma sequência inesquecível num matadouro de perus que faz qualquer um ir comer ervinhas para o campo. Violento, a possibilitar, no fim, um resto de alma. Gostei muito.
O meu voto: 4
Lisboa anda inundada de festivais, uns melhor do que outros, e com perspectivas e objectivos diferentes. Acabado de entrar em finados o Indie Lisboa, o 1º Festival Internacional de Cinema Independente aqui do burgo, já anda por aí a cheirar a 5ª Festa do Cinema Francês. Os dias felizes andam a papar filmes compulsivamente. Hoje foram mais dois, de enfiada, no encerramento do Indie, para compensar a dor de alma de não poder ir ver o Super Size Me:
Struggle
Austria 2003
Realização e Produção: Ruth Mader
Filme brutal em que a luta diária pela existência, quer material, quer afectiva, assume o caminho do desespero. Tem uma sequência inesquecível num matadouro de perus que faz qualquer um ir comer ervinhas para o campo. Violento, a possibilitar, no fim, um resto de alma. Gostei muito.
O meu voto: 4
Vibrator
Japão 2003
Realizador: Ryuichi Hiroki
Quando tudo o que se sente no corpo e na alma é um telemóvel a vibrar, resta tentarmos uma única tentativa de tocar o outro. E, se o filme não me tocou o coração é porque o vazio é assim mesmo. Road Movie japonês, entrecortado por cenas clínicas de sexo dentro de um camião, os vómitos da protagonista e o cabelo louro platinado do condutor da carripana com o qual parte numa viagem de 3 dias para entrega de mercadorias, saída directamente de um supermercado onde no fim regressa, e temperado com uma nostalgia sintética, Vibrator pode levar alguns espectadores menos pacientes a ficarem com os olhos em bico, pelo menos os que não cederem à tentação de cerrarem as pálpebras, aqui ou ali.
O meu voto: 3 (quase, quase a resvalar para o 2)
terça-feira, setembro 28, 2004
UM FANTASMA CHAMADO WANDA
WANDA
Realizador: Barbara Loden
Actores:
Barbara Loden
Michael Higgins
Ano: 1971
Duração: 102 minutos
Género: Drama
Distribuidora: Atalanta Filmes
País de Origem: EUA
Wanda, de Barbara Loden, é um dos melhores filmes até há pouco tempo em cartaz. Objecto cinematográfico de uma singularidade enternecedora, magnificamente interpretado pela própria realizadora, Wanda é um filme de culto artesanal, de imagem granulosa, esbatido, como se ao ser projectado deixasse de si apenas uma sombra. Retrato de um desespero habitado no vazio da alma, este filme apanha-nos numa armadilha de nostalgia atormentada e obriga-nos a assistir, impotentes ao desaparecimento de um ser. Wanda, na realidade há muito deixou de existir e o que este filme nos deixa é fragmentos dessa existência, uma luz amarela num rosto inesquecível. Fiquei à beira das lágrimas. A ver só para quem entenda o cinema como parte da vida.
WANDA
Realizador: Barbara Loden
Actores:
Barbara Loden
Michael Higgins
Ano: 1971
Duração: 102 minutos
Género: Drama
Distribuidora: Atalanta Filmes
País de Origem: EUA
Wanda, de Barbara Loden, é um dos melhores filmes até há pouco tempo em cartaz. Objecto cinematográfico de uma singularidade enternecedora, magnificamente interpretado pela própria realizadora, Wanda é um filme de culto artesanal, de imagem granulosa, esbatido, como se ao ser projectado deixasse de si apenas uma sombra. Retrato de um desespero habitado no vazio da alma, este filme apanha-nos numa armadilha de nostalgia atormentada e obriga-nos a assistir, impotentes ao desaparecimento de um ser. Wanda, na realidade há muito deixou de existir e o que este filme nos deixa é fragmentos dessa existência, uma luz amarela num rosto inesquecível. Fiquei à beira das lágrimas. A ver só para quem entenda o cinema como parte da vida.
À MEMÓRIA DO PAI
O Regresso
Rússia - 2003
105 min - Drama
Andrei Zvyagintsev (Realização)
Esta primeira obra de Andreï Zviaguintsev é proporcionalmente bela à capacidade de pronunciar e memorizar o imprenúnciavel e imemorizável nome do realizador russo que com este filme, à sombra tutelar de Tarkosvki, nos enche de uma clausura árida atormentada de beleza, memória, medo, revisitação e morte. Ao vê-lo, somos abalados por uma sucessão atordoante de imagens que nos perfuram a alma depois de entrarem pela pele adentro e nos reviram do avesso, sem concessão. Viagem iniciática pelo interior da identidade, O Regresso, é a história de dois irmãos, cujo regresso inesperado do pai, depois de uma ausência de 12 anos, vai provocar, de uma forma abrupta e misteriosa, o reencontro destes com a sua memória, numa descoberta solitária e incompleta do poder do afecto e do sangue, perturbada pelo medo e pela descoberta da morte. Metáfora sobre a incomunicabilidade, o passado, o amor e a redenção, O regresso, é um filme construído como um longo poema visual, de uma beleza desolada, onde as respostas não importam mais do que o olhar para lá da ausência.
O Regresso
Rússia - 2003
105 min - Drama
Andrei Zvyagintsev (Realização)
Esta primeira obra de Andreï Zviaguintsev é proporcionalmente bela à capacidade de pronunciar e memorizar o imprenúnciavel e imemorizável nome do realizador russo que com este filme, à sombra tutelar de Tarkosvki, nos enche de uma clausura árida atormentada de beleza, memória, medo, revisitação e morte. Ao vê-lo, somos abalados por uma sucessão atordoante de imagens que nos perfuram a alma depois de entrarem pela pele adentro e nos reviram do avesso, sem concessão. Viagem iniciática pelo interior da identidade, O Regresso, é a história de dois irmãos, cujo regresso inesperado do pai, depois de uma ausência de 12 anos, vai provocar, de uma forma abrupta e misteriosa, o reencontro destes com a sua memória, numa descoberta solitária e incompleta do poder do afecto e do sangue, perturbada pelo medo e pela descoberta da morte. Metáfora sobre a incomunicabilidade, o passado, o amor e a redenção, O regresso, é um filme construído como um longo poema visual, de uma beleza desolada, onde as respostas não importam mais do que o olhar para lá da ausência.
Regressam os dias felizes, saídos de um verão pardacento, maldoso, enganador. Ainda com a memória escondida no interior de dias frescos há muito regressei à cidade, mas fiquei escondido, à espera da vontade. Não fosse o cinema e teria morrido de desencontro com o meu passado breve.
segunda-feira, agosto 16, 2004
DISCOS DE VERÂO 3
O AMOR É UMA ESTAÇÂO E DEPOIS MORRE
SAVATH & SAVALAS
Apropa't
Warp Records 2004
Introducción
Te Quiero Pero Por Otro Lado...
Colores Sin Nombre
Balcón Sin Flores
A La Nit
Último Tren
Sol De Media Tarde
Um Girassol Da Cor De Seu Cabelo
Ràdio Llocs Espacials
Déjame
¿Por Qué Ella Vino?
Víctima Belleza
Interludio 44
Sigue Tu Camino (No Sabes Amar...)
Apropa't, de Savath & Savalas, o segundo álbum do projecto de Scott Herren, depois do intimista e igualmente frágil, Folk Songs For Trains, Trees & Honey, é um espaço de beleza e melancolia sombreada, onde todas as músicas, sem excepção, parecem trespassadas por um vento quase imperceptível, como um segredo que não se consegue dizer, porque as palavras não parecem importar, e a essência do amor não fosse mais do que um sussurro. Canção de balcão espanhol ao fim da tarde e sol catalão desanuviado pela brisa húmida de Barcelona, este disco é um conjunto de melodias que parecem fugir-nos, porque tendem a partir-se assim que se escutam, quebrando-se em várias camadas de sons frágeis e escondidos, como se assistíssemos a um jogo infantil e descobríssemos ao longe palavras e gestos que nos escapam, ou nos dedicássemos à observação de gestos num parque se sombras e os lancetássemos de luz, para tentar extrairmos o significado que nos escapa. Todo cantado em catalão, melhor dizer-se-á sussurrado, como se as palavras embarcassem em planadores e nos fugissem para o céu ou para as copas das árvores, com a excepção da magnifica versão da música "Um Girassol da Cor de Seu Cabelo", (da dupla brasileira Lô e Márcio Borges), todo o álbum é um repositório de situações amorosas e uma reflexão sobre a sombra e a luz que incidem sobre as passagens do amor, ao ritmo das estações, colectânea de esquissos intimistas, quase canções, melodias inacabadas. Retrata a relação amorosa entre Scott Herren e a cantora catalã que o acompanha neste disco, Eva Puyuelo Muns, cuja voz, doce e sussurrada, preenche as canções, entre o jogo suave das guitarras (baixinhas, baixinhas…), das concertinas, dos bajos sextos (uma espécie de violão com doze cordas) e harmoniums (um teclado antigo cujo som provem de uma sanfona operada pelo pé de quem o toca), e um polvilhado electrónico suave que se abate sobre as canções como uma espécie de calda doce, que se entranha por todas as canções e ambientes. Disco que entra pela janela do quarto, com as cortinas levantas pela brisa, enquanto deitados na cama escrevemos postais de amor com fotografias a sépia, dá-nos quase-canções tão bonitas como Balcón Sin Flores, A La Nit, Te Quiero Pero Por Otro Lado...e Sol De Media Tarde. Tal como Perry Blake fez, no magnífico albúm “Califórnia” (também em Califórnia se assiste à dissecação do estado amoroso de um casal e consequente separação…), o espaço amoroso entre os amantes, enquanto estado frágil, como um suspiro, ou um gotejar de fonte, é abalado pela própria natureza efémera da paixão, e pelo mundo que lhe é exterior, razão pela qual Scott Herren afirma, sobre este disco, concisa e pragmaticamente: "The songs on the album speak about aspects of love that don't go right.". Pequenas Cápsulas de luz mediterrânea aprisionadas em sussurros nostálgicos, suavemente texturados em Chicago pelo membro fundador dos Tortoise e pelo próprio Herren, é o que nos traz este fabuloso estado de espírito trespassado pela luz (sim, porque se trata de uma nostalgia luminosa, iluminada pelo sol da meia tarde…) que é Apropa't, de Savath & Savalas. O Disco termina com a melodia tristemente arrastada que é Sigue Tu Camino (No Sabes Amar...), retrato do fim do amor entre Scott e Eva, que se separaram após a feitura deste disco, autópsia do amor, sob a luz mediterrânica.
Um Girassol da Cor de Seu Cabelo
(Lô Borges e Márcio Borges)
Vento solar e estrelas do mar
A terra azul da cor de seu vestido
Vento solar e estrelas do mar
Você ainda quer morar comigo
Se eu cantar não chore não
É só poesia
Eu só preciso ter você por mais um dia
Ainda gosto de dançar, bom dia,
Como vai você?
Sol, girassol, verde vento solar
Você ainda quer morar comigo
Vento solar e estrelas do mar
Um girassol da cor de seu cabelo
Se eu morrer não chore não
É só a lua
É seu vestido cor de maravilha nua
Ainda moro nesta mesma rua,
Como vai você?
Você vem, ou será que é tarde demais?
O meu pensamento tem a cor de seu vestido
Ou um girassol que tem a cor de seu cabelo
O AMOR É UMA ESTAÇÂO E DEPOIS MORRE
SAVATH & SAVALAS
Apropa't
Warp Records 2004
Introducción
Te Quiero Pero Por Otro Lado...
Colores Sin Nombre
Balcón Sin Flores
A La Nit
Último Tren
Sol De Media Tarde
Um Girassol Da Cor De Seu Cabelo
Ràdio Llocs Espacials
Déjame
¿Por Qué Ella Vino?
Víctima Belleza
Interludio 44
Sigue Tu Camino (No Sabes Amar...)
Apropa't, de Savath & Savalas, o segundo álbum do projecto de Scott Herren, depois do intimista e igualmente frágil, Folk Songs For Trains, Trees & Honey, é um espaço de beleza e melancolia sombreada, onde todas as músicas, sem excepção, parecem trespassadas por um vento quase imperceptível, como um segredo que não se consegue dizer, porque as palavras não parecem importar, e a essência do amor não fosse mais do que um sussurro. Canção de balcão espanhol ao fim da tarde e sol catalão desanuviado pela brisa húmida de Barcelona, este disco é um conjunto de melodias que parecem fugir-nos, porque tendem a partir-se assim que se escutam, quebrando-se em várias camadas de sons frágeis e escondidos, como se assistíssemos a um jogo infantil e descobríssemos ao longe palavras e gestos que nos escapam, ou nos dedicássemos à observação de gestos num parque se sombras e os lancetássemos de luz, para tentar extrairmos o significado que nos escapa. Todo cantado em catalão, melhor dizer-se-á sussurrado, como se as palavras embarcassem em planadores e nos fugissem para o céu ou para as copas das árvores, com a excepção da magnifica versão da música "Um Girassol da Cor de Seu Cabelo", (da dupla brasileira Lô e Márcio Borges), todo o álbum é um repositório de situações amorosas e uma reflexão sobre a sombra e a luz que incidem sobre as passagens do amor, ao ritmo das estações, colectânea de esquissos intimistas, quase canções, melodias inacabadas. Retrata a relação amorosa entre Scott Herren e a cantora catalã que o acompanha neste disco, Eva Puyuelo Muns, cuja voz, doce e sussurrada, preenche as canções, entre o jogo suave das guitarras (baixinhas, baixinhas…), das concertinas, dos bajos sextos (uma espécie de violão com doze cordas) e harmoniums (um teclado antigo cujo som provem de uma sanfona operada pelo pé de quem o toca), e um polvilhado electrónico suave que se abate sobre as canções como uma espécie de calda doce, que se entranha por todas as canções e ambientes. Disco que entra pela janela do quarto, com as cortinas levantas pela brisa, enquanto deitados na cama escrevemos postais de amor com fotografias a sépia, dá-nos quase-canções tão bonitas como Balcón Sin Flores, A La Nit, Te Quiero Pero Por Otro Lado...e Sol De Media Tarde. Tal como Perry Blake fez, no magnífico albúm “Califórnia” (também em Califórnia se assiste à dissecação do estado amoroso de um casal e consequente separação…), o espaço amoroso entre os amantes, enquanto estado frágil, como um suspiro, ou um gotejar de fonte, é abalado pela própria natureza efémera da paixão, e pelo mundo que lhe é exterior, razão pela qual Scott Herren afirma, sobre este disco, concisa e pragmaticamente: "The songs on the album speak about aspects of love that don't go right.". Pequenas Cápsulas de luz mediterrânea aprisionadas em sussurros nostálgicos, suavemente texturados em Chicago pelo membro fundador dos Tortoise e pelo próprio Herren, é o que nos traz este fabuloso estado de espírito trespassado pela luz (sim, porque se trata de uma nostalgia luminosa, iluminada pelo sol da meia tarde…) que é Apropa't, de Savath & Savalas. O Disco termina com a melodia tristemente arrastada que é Sigue Tu Camino (No Sabes Amar...), retrato do fim do amor entre Scott e Eva, que se separaram após a feitura deste disco, autópsia do amor, sob a luz mediterrânica.
Um Girassol da Cor de Seu Cabelo
(Lô Borges e Márcio Borges)
Vento solar e estrelas do mar
A terra azul da cor de seu vestido
Vento solar e estrelas do mar
Você ainda quer morar comigo
Se eu cantar não chore não
É só poesia
Eu só preciso ter você por mais um dia
Ainda gosto de dançar, bom dia,
Como vai você?
Sol, girassol, verde vento solar
Você ainda quer morar comigo
Vento solar e estrelas do mar
Um girassol da cor de seu cabelo
Se eu morrer não chore não
É só a lua
É seu vestido cor de maravilha nua
Ainda moro nesta mesma rua,
Como vai você?
Você vem, ou será que é tarde demais?
O meu pensamento tem a cor de seu vestido
Ou um girassol que tem a cor de seu cabelo
sábado, julho 24, 2004
A MÂE-DEUS E O FILHO MASTURBADOR
Aviso à navegação: dado o período estival que se atravessa e perante a iminência de férias, esta crítica sobre o filme de Christophe Honoré, Ma Mère, não é para ser levada a sério. Toda a gente sabe que essa magnífica fonte de gelo expressiva que é Isabelle Huppert (sem dúvida a minha actriz preferida, desde que a vi, completamente abismado, em Malina, fabuloso filme de Werner Shroeter) pertence aos domínios do Inverno e o Verão começa a aquecer-me o corpo e a desviar-me o espírito para o centro do sol. O filme de Honoré, rasa a fundura do abismo, mas apesar disso não nos compele à queda. Exercício que se pretende brutal, falha no entanto no aprofundamento da ferida que deixa à superfície. Baseado no Livro de Bataille e no texto escandaloso e libertador de Ma Mère (publicado entre nós pelos Livros do Brasil, com o título Historia do Olho e minha Mãe) traz-nos um cenário hedonista (aqui o bordel do mundo é uma ilha turística), e moderno onde os corpos procuram a sua salvação e caminham na direcção do desejo e da morte, como na noite, o fazem as mariposas, em direcção à luz. Fala-se aqui, portanto do Eros e do Thanatos e das profundezas do espírito à superfície da carne, da libertação do desejo das entranhas onde parece esconder-se. Honoré filma aqui o sexo, no entanto, sem a mínima atracção pela sensualidade, o que resulta, quando a câmara procura os corpos, em planos onde esses mesmos corpos são retalhados (até pela forma abrupta do corte entre as cenas) na imagem, numa anti estética do erotismo e da pornografia, enquanto olhar. Aparentemente a acção desenrola-se entre uma afinidade incestuosa entre mãe e filho, que caminha progressivamente para um desfecho trágico, mas, sob a superfície, o que o filme nos traz é a morte do desejo pelo encontro inevitável com a morte. E o desejo, permitindo-se a perversidade, caminha para além dela, até ao fim do túnel onde se espera Deus. Deus que se encontra mais facilmente pelo desvio da carne do que pela purificação do espírito. História da perversão de um filho adolescente (Louis Garrel), pela mãe (a perturbadora Isabelle Huppert), o filme aborda a substituição de Deus pela mãe, igualando-se ambos na ausência. Significativa é a cena final em que o filho, ao observar o cadáver da mãe-substituida-a-Deus, se masturba e grita “mãe, eu não quero morrer.”.Minha Mãe, é pois um exercício de solidão e uma reflexão sobre a vida e a morte, sob o espelho do corpos. Isabelle Huppertt, apesar de aqui ou ali se pressentir que se encontra em velocidade de cruzeiro (sempre inultrapassável no entanto) enche o ecrã de um mau estar e de uma fragilidade embrutecida e Louis Garrel (fixe-se este jovem actor, que é um caso sério, apesar de parecer estar a especializar-se em cenas de masturbação), transmite uma inocência melancólica e convincente. Má Mère, é um filme que contudo ganharia se pudesse deslocar-se para fora das sombras da obra de Bataille e que poderia facilmente cair na enfatuação intelectual, sem as interpretações e os corpos de Huppert e Garrel. Para terminar, só quero dizer que afinal fiz uma critica mais invernosa do que pensava. Raios partam a Isabel Hupert!. Venham já duas margueritas , por favor.
Aviso à navegação: dado o período estival que se atravessa e perante a iminência de férias, esta crítica sobre o filme de Christophe Honoré, Ma Mère, não é para ser levada a sério. Toda a gente sabe que essa magnífica fonte de gelo expressiva que é Isabelle Huppert (sem dúvida a minha actriz preferida, desde que a vi, completamente abismado, em Malina, fabuloso filme de Werner Shroeter) pertence aos domínios do Inverno e o Verão começa a aquecer-me o corpo e a desviar-me o espírito para o centro do sol. O filme de Honoré, rasa a fundura do abismo, mas apesar disso não nos compele à queda. Exercício que se pretende brutal, falha no entanto no aprofundamento da ferida que deixa à superfície. Baseado no Livro de Bataille e no texto escandaloso e libertador de Ma Mère (publicado entre nós pelos Livros do Brasil, com o título Historia do Olho e minha Mãe) traz-nos um cenário hedonista (aqui o bordel do mundo é uma ilha turística), e moderno onde os corpos procuram a sua salvação e caminham na direcção do desejo e da morte, como na noite, o fazem as mariposas, em direcção à luz. Fala-se aqui, portanto do Eros e do Thanatos e das profundezas do espírito à superfície da carne, da libertação do desejo das entranhas onde parece esconder-se. Honoré filma aqui o sexo, no entanto, sem a mínima atracção pela sensualidade, o que resulta, quando a câmara procura os corpos, em planos onde esses mesmos corpos são retalhados (até pela forma abrupta do corte entre as cenas) na imagem, numa anti estética do erotismo e da pornografia, enquanto olhar. Aparentemente a acção desenrola-se entre uma afinidade incestuosa entre mãe e filho, que caminha progressivamente para um desfecho trágico, mas, sob a superfície, o que o filme nos traz é a morte do desejo pelo encontro inevitável com a morte. E o desejo, permitindo-se a perversidade, caminha para além dela, até ao fim do túnel onde se espera Deus. Deus que se encontra mais facilmente pelo desvio da carne do que pela purificação do espírito. História da perversão de um filho adolescente (Louis Garrel), pela mãe (a perturbadora Isabelle Huppert), o filme aborda a substituição de Deus pela mãe, igualando-se ambos na ausência. Significativa é a cena final em que o filho, ao observar o cadáver da mãe-substituida-a-Deus, se masturba e grita “mãe, eu não quero morrer.”.Minha Mãe, é pois um exercício de solidão e uma reflexão sobre a vida e a morte, sob o espelho do corpos. Isabelle Huppertt, apesar de aqui ou ali se pressentir que se encontra em velocidade de cruzeiro (sempre inultrapassável no entanto) enche o ecrã de um mau estar e de uma fragilidade embrutecida e Louis Garrel (fixe-se este jovem actor, que é um caso sério, apesar de parecer estar a especializar-se em cenas de masturbação), transmite uma inocência melancólica e convincente. Má Mère, é um filme que contudo ganharia se pudesse deslocar-se para fora das sombras da obra de Bataille e que poderia facilmente cair na enfatuação intelectual, sem as interpretações e os corpos de Huppert e Garrel. Para terminar, só quero dizer que afinal fiz uma critica mais invernosa do que pensava. Raios partam a Isabel Hupert!. Venham já duas margueritas , por favor.
DISCOS DE VERÃO 2
Não resisti a acrescentar à lista outro album de Henri Salvador, assim, sem intervalo. Jazz, bossa nova, Keren Ann, Benjamin Biolay e muito açucar de cana incluido. existe melhor para o verão? a música jardin D´hiver é dedicada à minha amiga Lebre. Vamos ouvi-la um dia numa esplanda com janela sobre o mediterrâneo? O Inverno a estalar no meio do Verão.
HENRI SALVADOR
Chambre avec vue
Jardin d'hiver
Chambre avec vue
J'ai vu
Il fait dimanche
La muraille de Chine
Jazz Méditerranée
Un tour de manège
Vagabond
Je sais que tu sais
Mademoiselle
Le fou de la reine
Faire des ronds dans l'eau
Aime-moi
HENRI SALVADOR
Chambre avec vue
Jardin d'hiver
Chambre avec vue
J'ai vu
Il fait dimanche
La muraille de Chine
Jazz Méditerranée
Un tour de manège
Vagabond
Je sais que tu sais
Mademoiselle
Le fou de la reine
Faire des ronds dans l'eau
Aime-moi
sexta-feira, julho 23, 2004
A BARATA
Hoje, ao acordar, encontrei uma pequena barata morta entre os lençóis. Ontem, caiu-me em cima do peito A Metamorfose, do Kafka, arremessado com violência da prateleira por um Proust pesado e enciumado. Antes de ontem recomecei a minha leitura de a Paixão de G. H., esse fabuloso livro da Clarice Lispector. Tudo livros com baratas. Como não acredito em lirismos fortuitos e cruzamento de coincidências quotidianas como metáforas da existência, hoje vou dedicar-me a limpar o pó, a arrumar o armário dos sapatos e a renovar a luz dentro das caixas de cartão com fotografias. Ainda assim, pequei no pequeno Gregor com os dedos e deitei-o pela janela fora, com algum remorso.
sexta-feira, julho 16, 2004
DISCOS DE VERÂO
Gosto da ideia de haver discos de Verão, assim como gosto do pensamento de haver discos de Inverno, discos de Outono, discos de Primavera. A mudança das estações, enganando-nos com a sensação de metamorfose que pomos no corpo e no espírito, possibilita-nos o engano de ir atravessando as estações como se fossem marcos importantes das nossas vidas que gostamos de recordar para sempre, como aos amores. No entanto, agrada-me pensar que existe um único Verão, um único Inverno, uma única Primavera e Outono, e que tudo o resto são simulacros, ilusões da nossa infelicidade ou tristeza. Assim, há que preencher as estações com música, discos, muitos discos, e deixarmo-nos iludir com a imensidão de muitas passagens pelo tempo, que, como afirma a Laurie Anderson, deveria ser em espiral, e não circular.Coisas da existência. Deixo aqui as minhas escolhas para este Verão, um de cada vez, entre discos novos e antigos, até ao Outono começar a mostrar a cor.
MA CHERE ET TENDRE
HENRI SALVADOR
1 - MA CHÈRE ET TENDRE
2 - VOUS
3 - C' ÉTAIT UN JOUR COMME LES AUTRES
4 - LE VOYAGE DANS LE BONHEUR
5 - TOI
6 - J' AI TANT RÊVÉ
7 - QUAND UN ARTISTE
8 - SANS TOI
9 - AILLEURS
10 - ITINÉRAIRE
11 - TU ES VENUE
12 - BORMES - LES - MIMOSAS
13 - DANS TES YEUX
14 - ALL I REALLY WANT IS LOVE
Condicões ideais de escuta:
Roupa: calções, camisa, roupa de linho, chapéu branco
Local: piscina, quarto com persianas cerradas, esplanada com vista sobre o mediterrâneo, ilha tropical, ex-colónia francesa
Horas: entre o fim da tarde e o começo da noite, de preferência com pôr-do-sol incluído; pode ser à noite se se estiver na praia ou na piscina
Companhia: imprescindível, mas pode ser substituída por uma revista de viagens
Duração: ouvir sempre de seguida, ou em caso de praia ou piscina, intercalar entre os banhos, mas nesse caso ouvir non stop, pelo menos durante 2 horas.
Actividades paralelas: fumar, cigarrilhas de preferência; sexo versão slow-core, livro pousado sobre o colo
Bebida: dry martinis
Gosto da ideia de haver discos de Verão, assim como gosto do pensamento de haver discos de Inverno, discos de Outono, discos de Primavera. A mudança das estações, enganando-nos com a sensação de metamorfose que pomos no corpo e no espírito, possibilita-nos o engano de ir atravessando as estações como se fossem marcos importantes das nossas vidas que gostamos de recordar para sempre, como aos amores. No entanto, agrada-me pensar que existe um único Verão, um único Inverno, uma única Primavera e Outono, e que tudo o resto são simulacros, ilusões da nossa infelicidade ou tristeza. Assim, há que preencher as estações com música, discos, muitos discos, e deixarmo-nos iludir com a imensidão de muitas passagens pelo tempo, que, como afirma a Laurie Anderson, deveria ser em espiral, e não circular.Coisas da existência. Deixo aqui as minhas escolhas para este Verão, um de cada vez, entre discos novos e antigos, até ao Outono começar a mostrar a cor.
MA CHERE ET TENDRE
HENRI SALVADOR
1 - MA CHÈRE ET TENDRE
2 - VOUS
3 - C' ÉTAIT UN JOUR COMME LES AUTRES
4 - LE VOYAGE DANS LE BONHEUR
5 - TOI
6 - J' AI TANT RÊVÉ
7 - QUAND UN ARTISTE
8 - SANS TOI
9 - AILLEURS
10 - ITINÉRAIRE
11 - TU ES VENUE
12 - BORMES - LES - MIMOSAS
13 - DANS TES YEUX
14 - ALL I REALLY WANT IS LOVE
Condicões ideais de escuta:
Roupa: calções, camisa, roupa de linho, chapéu branco
Local: piscina, quarto com persianas cerradas, esplanada com vista sobre o mediterrâneo, ilha tropical, ex-colónia francesa
Horas: entre o fim da tarde e o começo da noite, de preferência com pôr-do-sol incluído; pode ser à noite se se estiver na praia ou na piscina
Companhia: imprescindível, mas pode ser substituída por uma revista de viagens
Duração: ouvir sempre de seguida, ou em caso de praia ou piscina, intercalar entre os banhos, mas nesse caso ouvir non stop, pelo menos durante 2 horas.
Actividades paralelas: fumar, cigarrilhas de preferência; sexo versão slow-core, livro pousado sobre o colo
Bebida: dry martinis
quarta-feira, julho 14, 2004
ANTONIO GAMONEDA
La inexistencia es hueca como las máscaras y su visión es
lívida, pero tú oyes el grito de las madres del agua y acaricias
los ojos que vieron la inexistencia.
De "Libro del frío", 1992:
Pavana impura
La inexistencia es hueca como las máscaras y su visión es
lívida, pero tú oyes el grito de las madres del agua y acaricias
los ojos que vieron la inexistencia.
De "Libro del frío", 1992:
Pavana impura
domingo, julho 11, 2004
A PODRIDÃO DA ALMA
A FAMÍLIA SCHROFFENSTEIN
de Henrich von Kleist
Teatro do Bairro Alto - Cornucópia - (Lisboa)
“A desconfiança é a peste negra da alma”
A Família Schroffenstein, de Henrich von Kleist
Em cena até ao próximo dia 1 de Agosto, A Família Schroffenstein, peça do dramaturgo alemão Henrich von Kleist, magnificamente representada pelo Teatro da Cornucópia, e como habitualmente, encenada por Luís Miguel Cintra, conta também com cenários de Cristina Reis e Daniel Worm d'Assumpção, tendo sido traduzida do alemão por João Barrento. A Família Schroffenstein, constitui uma reflexão belíssima sobre a queda da alma ante o desejo, sob a insídia da suspeição e da vingança, o sacrifício do amor como redenção impossível de alcançar e a corrupção da natureza humana perante a inevitabilidade do destino, para onde a humanidade caminha, por sua própria perdição e ruína. Texto avassaladoramente pessimista, constitui uma obra-prima do romantismo alemão e simultaneamente uma reflexão sobre a danação humana e a impossibilidade da felicidade, retratando o falhanço dos ideais românticos perante uma sociedade inevitavelmente corrompida pela avidez, cobiça e posse. A peça de Kleist, sob um cenário medievo, rude, atravessado por luzes cruas e intensas, ou por uma escuridão dominadora, descreve, com uma eloquência e um lirismo exacerbados, eficazmente transposto do alemão para o português por João Barrento, a anatomia do processo de destruição da alma e a progressão do rancor no coração humano, como praga sem cura, aqui simbolizado pelo dedo mindinho decepado de uma criança, tenra de idade e recém afogada, origem de uma espiral de horror e assassinato sem sentido ou razão. Luís Miguel Cintra, atento a dificuldade desta peça, extremamente longa e densa, considerada frequentemente irrepresentável, opta por um encenação sóbria, monástica, acompanhando o minimalismo da cenografia, onde a palavra, como elemento de intriga, funciona como o despoletar de toda a tragédia e o lirismo presente em todo o texto o suporte sólido para o desempenho dos actores.
Um obscuro contrato celebrado entre os ramos de uma mesma família, os Rossitz e os Warwand, separadas geograficamente por um lago rodeado de montanhas, em que na falta de descendência de ambos os lados, o ramo familiar sem descendentes cederá ao outro a riqueza e o poder (que nunca surgem verdadeiramente nominados, quantificados, mas apenas como motivação abstracta dos actos, do despoletar do inconsciente sob a razão) surge como pretexto para o verdadeiro tema central da peça: a destruição progressiva do carácter pela angústia, pela dúvida, pelo rancor, como se a palavra pudesse ser um cancro que avança pelo corpo com uma única nominação (o nome, extraído, sob tortura, de um dos presumíveis assassínios do filho varão dos Rossitz ou o nome proferido por João, amigo de Otto) e o erro uma fagulha que acende o fogo, numa única faísca, queimando, em sofrimento, o coração humano, até à ruína e à cinza. Renovação do amor condenado, numa revisitação moderna de Romeu e Julieta, A Família Schroffenstein, debruçando-se sobre a inocência do amor, serve-se de ambos os amantes como cordeiros de morte, espaço sacrificial, ante-câmara da solidão e da condenação humana.Com efeito, ambos os amantes, travestidos, morrem trespassados pelos próprios pais, numa cena de comédia de enganos, que perversamente retira aos personagens a dignidade do drama, a imersão na metáfora da tragédia. O amor é impossível de resgatar o homem da perversidade e sucumbe à solidão humana e ao próprio destino traçado pela humanidade, onde a ausência de Deus torna impossível a libertação e a esperança. O erro, indissociável da palavra, como veneno, é destruidor da razão e permanece invisível ante o coração dos homens. Com efeito é um personagem cego que identifica o erro no reconhecimento do corpo dos filhos mortos que não são reconhecidos pelos próprios pais, que choram não já a morte dos filhos, mas a sua própria morte, o vazio existencial. Como escreveu Luís Miguel Cintra, a propósito desta peça “A dúvida destrói a personalidade, afasta o ser humano da natureza inicial, pura e generosa. A sociedade passa a mover-se numa teia absurda de negros pensamentos, inseguranças, remorsos, obsessões de vingança, cegas violências. E a palavra engendra o erro, afasta o homem de si próprio.
Henrich von Kleist (1777 – 1811), suicidou-se, aos 34 anos, com um tiro na boca, depois de ter disparado contra o peito canceroso da sua amante, na consumação de um pacto suicida.
A FAMÍLIA SCHROFFENSTEIN
de Henrich von Kleist
Teatro do Bairro Alto - Cornucópia - (Lisboa)
“A desconfiança é a peste negra da alma”
A Família Schroffenstein, de Henrich von Kleist
Em cena até ao próximo dia 1 de Agosto, A Família Schroffenstein, peça do dramaturgo alemão Henrich von Kleist, magnificamente representada pelo Teatro da Cornucópia, e como habitualmente, encenada por Luís Miguel Cintra, conta também com cenários de Cristina Reis e Daniel Worm d'Assumpção, tendo sido traduzida do alemão por João Barrento. A Família Schroffenstein, constitui uma reflexão belíssima sobre a queda da alma ante o desejo, sob a insídia da suspeição e da vingança, o sacrifício do amor como redenção impossível de alcançar e a corrupção da natureza humana perante a inevitabilidade do destino, para onde a humanidade caminha, por sua própria perdição e ruína. Texto avassaladoramente pessimista, constitui uma obra-prima do romantismo alemão e simultaneamente uma reflexão sobre a danação humana e a impossibilidade da felicidade, retratando o falhanço dos ideais românticos perante uma sociedade inevitavelmente corrompida pela avidez, cobiça e posse. A peça de Kleist, sob um cenário medievo, rude, atravessado por luzes cruas e intensas, ou por uma escuridão dominadora, descreve, com uma eloquência e um lirismo exacerbados, eficazmente transposto do alemão para o português por João Barrento, a anatomia do processo de destruição da alma e a progressão do rancor no coração humano, como praga sem cura, aqui simbolizado pelo dedo mindinho decepado de uma criança, tenra de idade e recém afogada, origem de uma espiral de horror e assassinato sem sentido ou razão. Luís Miguel Cintra, atento a dificuldade desta peça, extremamente longa e densa, considerada frequentemente irrepresentável, opta por um encenação sóbria, monástica, acompanhando o minimalismo da cenografia, onde a palavra, como elemento de intriga, funciona como o despoletar de toda a tragédia e o lirismo presente em todo o texto o suporte sólido para o desempenho dos actores.
Um obscuro contrato celebrado entre os ramos de uma mesma família, os Rossitz e os Warwand, separadas geograficamente por um lago rodeado de montanhas, em que na falta de descendência de ambos os lados, o ramo familiar sem descendentes cederá ao outro a riqueza e o poder (que nunca surgem verdadeiramente nominados, quantificados, mas apenas como motivação abstracta dos actos, do despoletar do inconsciente sob a razão) surge como pretexto para o verdadeiro tema central da peça: a destruição progressiva do carácter pela angústia, pela dúvida, pelo rancor, como se a palavra pudesse ser um cancro que avança pelo corpo com uma única nominação (o nome, extraído, sob tortura, de um dos presumíveis assassínios do filho varão dos Rossitz ou o nome proferido por João, amigo de Otto) e o erro uma fagulha que acende o fogo, numa única faísca, queimando, em sofrimento, o coração humano, até à ruína e à cinza. Renovação do amor condenado, numa revisitação moderna de Romeu e Julieta, A Família Schroffenstein, debruçando-se sobre a inocência do amor, serve-se de ambos os amantes como cordeiros de morte, espaço sacrificial, ante-câmara da solidão e da condenação humana.Com efeito, ambos os amantes, travestidos, morrem trespassados pelos próprios pais, numa cena de comédia de enganos, que perversamente retira aos personagens a dignidade do drama, a imersão na metáfora da tragédia. O amor é impossível de resgatar o homem da perversidade e sucumbe à solidão humana e ao próprio destino traçado pela humanidade, onde a ausência de Deus torna impossível a libertação e a esperança. O erro, indissociável da palavra, como veneno, é destruidor da razão e permanece invisível ante o coração dos homens. Com efeito é um personagem cego que identifica o erro no reconhecimento do corpo dos filhos mortos que não são reconhecidos pelos próprios pais, que choram não já a morte dos filhos, mas a sua própria morte, o vazio existencial. Como escreveu Luís Miguel Cintra, a propósito desta peça “A dúvida destrói a personalidade, afasta o ser humano da natureza inicial, pura e generosa. A sociedade passa a mover-se numa teia absurda de negros pensamentos, inseguranças, remorsos, obsessões de vingança, cegas violências. E a palavra engendra o erro, afasta o homem de si próprio.
Henrich von Kleist (1777 – 1811), suicidou-se, aos 34 anos, com um tiro na boca, depois de ter disparado contra o peito canceroso da sua amante, na consumação de um pacto suicida.
quinta-feira, julho 08, 2004
Fogo na Rebentação
Das embarcações atinge poucas casas
Habitadas
por terra enxuga finas línguas de areia
Tocam-te
Como eu queria na bandolete que pousas
No regaço
É muito dizer-te ou é pouco
- Amo-te.
Um osso de baleia numa fresta da montanha.
Gil de Carvalho,Tarantela & Viagens, 1998
Das embarcações atinge poucas casas
Habitadas
por terra enxuga finas línguas de areia
Tocam-te
Como eu queria na bandolete que pousas
No regaço
É muito dizer-te ou é pouco
- Amo-te.
Um osso de baleia numa fresta da montanha.
Gil de Carvalho,Tarantela & Viagens, 1998
quarta-feira, julho 07, 2004
Sintomas:
coração: em estado acelerado
saco lacrimal:oleado
corpo:expectante
olhos:lubrificados
ouvidos: atentos
pulmões:em extensão
Causa: Lhasa de Sela, concerto hoje, às 22 h, em Lisboa
coração: em estado acelerado
saco lacrimal:oleado
corpo:expectante
olhos:lubrificados
ouvidos: atentos
pulmões:em extensão
Causa: Lhasa de Sela, concerto hoje, às 22 h, em Lisboa
domingo, julho 04, 2004
UMA PEDRA NO CORAÇÃO
Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera
Coreia do Sul - 2003
103 min - Drama
Yeong-Su Oh (Actor / Actriz)
Kim Ki-Duk (Realização)
Kim Ki-Duk (Argumento)
Kim Ki-Duk (Actor / Actriz)
Jong-Ho Kim (Actor / Actriz)
Ha Yeo-Jin (Actor / Actriz)
I intend to portray the joy, anger, sorrow and pleasure of our lives through four seasons and through the life of a monk who lives in a temple surrounded only by nature on Jusan Pond. Five stories of Child Monk, Boy Monk, Adult Monk, Elderly Monk, and old Monk will coexist with images of each season. The changing qualities in living human beings, the meaning of maturity in our lives that are formed and how they develop, the cruelty of innocence, the obsession in desires, the pain in murderous intentions, and the emancipation in struggles …
Kim Ki-Duk
Por vezes existem imagens, cores, sons, silêncios, rostos, que nos entram pelos olhos adentro, contagiantes como uma doença, uma paixão que se apodere do corpo para perfurar a alma, uma racha no coração, que nos faz transbordar de claridade, luz e contemplação. O novo filme de Kim Ki-Duk, depois do visceral e atormentado "The Isle" afoga-nos num universo meditativo onde a natureza e o tempo assumem inexoravelmente um papel transcendente perante a fragilidade e efemeridade do homem, e onde a dor e o prazer, o conhecimento e a ignorância, a inocência e a morte, a obsessão e o desejo, se confrontam, perante a passividade eterna do céu, das árvores, das águas, das rochas e das montanhas. Filme de um lirismo extremo, avassalador, prende-nos para sempre os olhos ante a beleza de uma simplicidade extrema e devastadora, como se de repente a perfeição poderosa da natureza e dos seus ciclos imutáveis fosse algo que nos esmagasse e nos confortasse, matando as palavras, fazendo unir o silêncio à eterna serenidade da alma. Filme de uma simplicidade extrema, espiritual e religioso, onde o conhecimento e a libertação ascética iniciam o homem no conhecimento das verdades imutáveis da vida. Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera, filme de uma fotografia e luminosidade poética possante e envolvente, rouba, durante toda a sua duração, o espectador ao quotidiano da vida, envolvendo-o num estado encantatório, ondulante como o devir das estações no coração do tempo, entregando-o às montanhas, à neblina, às águas, à natureza primordial.
O palco de todo o filme é um enorme lago, rodeado de montanhas e coberto pelo céu, onde árvores milenares emergem vivas, semi afundadas nas águas, rodeado de uma vegetação verdejante, criaturas da natureza, regatos cristalinos, quedas de água e rochas agrestes. Da margem, duas portas de madeira, decoradas com duas figuras religiosas, abrem-se para o lago, como uma cortina que desvela a realidade e iniciam o espectador na passagem do tempo, entre as estações, distanciadas por vários anos, abrindo-se para os personagens e para o espectador, no início de cada estação. No meio do lago um pequeno templo budista, suspenso sob as águas, como uma ilha flutuante. No templo, um velho mestre budista e o seu discípulo, ao qual o velho monge procura ensinar as verdades essenciais da vida. É neste cenário, um templo de madeira no centro de um lago, onde duas figuras de pedra olham as margens, enquadrado por umas portas de madeira iniciáticas, que as personagens do filme vão interagir, deslocando-se num pequeno barco de madeira entre as margens do lago e o templo, ao ritmo das estações e da vida.
Na primeira estação, a Primavera, o velho mestre procura ensinar o seu discípulo, ainda criança, sobre os principais ensinamentos budistas e a inevitabilidade da dor. Figura omnipresente, o mestre budista contempla impassível, o despontar da perversidade infantil, ao observar o seu discípulo enrolar uma pedra, atada por um fio, primeiramente a um pequeno peixe, depois a uma rã e ainda a uma serpente. Atadas e obrigadas a carregar uma pedra, as pequenas criaturas da natureza, impossibilitadas de se moverem, sofrem, arrastando interminavelmente o peso da pedra. Na manhã seguinte, o velho monge, ata com uma corda uma pedra ao corpo da criança, seu protegido, seu discípulo, que imediatamente reconhece a maldade praticada. O monge diz-lhe então para encontrar e libertar os três animais do seu fardo, acrescentando que, se algum deles tiver morrido, carregará aquela pedra no seu coração para sempre. A criança, igualmente carregando a sua pedra, literalmente, encontra os três animas mas só um deles se encontra ainda vivo, pois o peixe encontra-se morto no fundo das águas e a serpente coberta de sangue, esfacelada nas pedras, também morta. A criança descobre então a inevitabilidade da dor e o fardo da vida, bem como a consequência no mundo de cada acção praticada, e chora, observada pelo mestre, no seu primeiro e brutal contacto com a dor. De uma simplicidade impressionante, e para além de qualquer mero ensinamento moral, toda a sequência, onde a intensidade emocional vive de pequenos apontamentos de uma fragilidade tormentosa, impõe-se pela violência do despontar da dor e do início do ciclo imutável da vida, onde o sofrimento e a morte, enquanto realidades dessa mesma vida, acompanharão para sempre o pequeno monge.
A segunda estação, o Verão, a que o espectador acede depois de abertas novamente as portas para o esplendoroso lago, como um ritual que se vai prolongar ao longo de todas as estações, apresentam-nos uma das mais belas sequências do filme onde o discípulo do mestre, agora com cerca de dezassete anos, vai perder a inocência e conhecer os prazeres do corpo com a rapariga que o velho monge aceitara, no templo, para curar de uma doença. Capítulo de uma enorme beleza, emocionalmente tocante, torna inesquecíveis os passeios de barco entre os adolescentes apaixonados, sob a luz das águas, os olhares trocados no exíguo espaço do templo, à noite, enquanto o mestre dorme, a chuva de verão, as cenas da cópula, (precedidas metaforicamente pelas duas cobras que o jovem discípulo encontra em acasalamento), entre as pedras, no barco, com a inocência do primeiro amor, sem troca de palavras, são extremamente simples, mas de uma eficácia comovente, pela naturalidade com que Kim Ki-Duk filma o progressivo envolvimento dos amantes. O capítulo, prenúncio da morte, termina com o regresso da rapariga à sua casa, já curada, e um novo ensinamento: a luxúria desperta o desejo de possuir, e a possessão conduz ao assassínio em defesa daquilo que se possui. O jovem discípulo, possuído pelo desejo, abandona o templo e o mestre e vai procurar no mundo a satisfação do prazer a que não consegue fugir e onde encontrará a perdição espiritual.
No terceiro capítulo, correspondente ao Outono, o jovem monge, já adulto, regressa ao templo, despido da inocência primordial, carregado de ódio e de sangue, pelo que passará por um processo de purificação, espiritual e corporal (fabulosa a imagem do corpo do discípulo pendurado por cordas e vergastado de sangue, suspenso no ar), antes de ser levado a cumprir uma pena como punição pelo assassínio cometido. Neste capítulo, é memorável a imagem quase surreal da pintura do Sutra libertador na madeira do chão do templo com a cauda do gato, e despois gravado na madeira com a faca do crime e posteriormente pintado como um quadro, uma caligrafia libertadora, uma oração em madeira. O capítulo termina com o auto imolamento do velho monge, no barco, sob uma pira de fogo, onde após a sua morte uma serpente desliza sob as águas, em direcção ao templo.
Na última estação, o Inverno, as portas abrem para um lago gelado, de uma beleza árida e impressionante, e assiste-se ao regresso do discípulo do velho monge, (aqui interpretado pelo próprio realizador) que avança para a redenção final e para o cumprimento do ciclo imutável do mundo, descobrindo o velho barco afundado sob o gelo e constatando a morte do mestre. Neste capítulo, encerra-se o ciclo, ao ser deixado ao seu cuidado uma criança, de tenra idade, que será o seu discípulo, à semelhança de si próprio. A mãe da criança, que morre afogada ao cair num buraco de gelo, vai precipitar a brutal redenção (aproximando-se aqui o budismo do catolicismo, num acto de contrição) do discípulo regressado que arrastará, atada ao seu corpo, uma enorme pedra pelas montanhas cobertas de neve, para ir depositar a estátua de uma divindade num rochedo de uma montanha distante, mas de onde se contempla o templo e as águas do lago, que ficarão sob o olhar da divindade, no ciclo imutável da natureza e na sucessão das estações. Consentâneo com a eternidade do ciclo da vida, o novo monge prepara-se para iniciar o seu papel, numa nova Primavera.
Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera, não é um filme perfeito, não será sequer uma obra-prima, mas perfura-nos de beleza e simplicidade, não escolhe o sempre perigoso didatismo religioso (lembre se que o realizador, católico de formação, inventou os cerimoniais budistas apresentados no filme, assim como as decorações e objectos do templo, que foi totalmente construído sob as suas indicações), é, sob a sua aparente simplicidade, dono de um simbolismo não imediato (por exemplo a cada estação corresponde um animal, na Primavera um cão, no Verão um galo, no Outono um gato, no Inverno uma serpente, e ainda no epilogo, uma tartaruga; a ausência de nomes para todas as personagens, o rosto escondido em panos da mulher que entrega o filho, a pedra como metáfora da dor existencial, mais do que física) e deslumbra-nos com uma espiritualidade a que acedemos sem fazer qualquer esforço e que abandonamos com dificuldade, quando o filme acaba, e as luzes da sala se acendem, como se ficássemos com uma ausência qualquer, uma dor indefinida, uma pedra no coração.
Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera
Coreia do Sul - 2003
103 min - Drama
Yeong-Su Oh (Actor / Actriz)
Kim Ki-Duk (Realização)
Kim Ki-Duk (Argumento)
Kim Ki-Duk (Actor / Actriz)
Jong-Ho Kim (Actor / Actriz)
Ha Yeo-Jin (Actor / Actriz)
I intend to portray the joy, anger, sorrow and pleasure of our lives through four seasons and through the life of a monk who lives in a temple surrounded only by nature on Jusan Pond. Five stories of Child Monk, Boy Monk, Adult Monk, Elderly Monk, and old Monk will coexist with images of each season. The changing qualities in living human beings, the meaning of maturity in our lives that are formed and how they develop, the cruelty of innocence, the obsession in desires, the pain in murderous intentions, and the emancipation in struggles …
Kim Ki-Duk
Por vezes existem imagens, cores, sons, silêncios, rostos, que nos entram pelos olhos adentro, contagiantes como uma doença, uma paixão que se apodere do corpo para perfurar a alma, uma racha no coração, que nos faz transbordar de claridade, luz e contemplação. O novo filme de Kim Ki-Duk, depois do visceral e atormentado "The Isle" afoga-nos num universo meditativo onde a natureza e o tempo assumem inexoravelmente um papel transcendente perante a fragilidade e efemeridade do homem, e onde a dor e o prazer, o conhecimento e a ignorância, a inocência e a morte, a obsessão e o desejo, se confrontam, perante a passividade eterna do céu, das árvores, das águas, das rochas e das montanhas. Filme de um lirismo extremo, avassalador, prende-nos para sempre os olhos ante a beleza de uma simplicidade extrema e devastadora, como se de repente a perfeição poderosa da natureza e dos seus ciclos imutáveis fosse algo que nos esmagasse e nos confortasse, matando as palavras, fazendo unir o silêncio à eterna serenidade da alma. Filme de uma simplicidade extrema, espiritual e religioso, onde o conhecimento e a libertação ascética iniciam o homem no conhecimento das verdades imutáveis da vida. Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera, filme de uma fotografia e luminosidade poética possante e envolvente, rouba, durante toda a sua duração, o espectador ao quotidiano da vida, envolvendo-o num estado encantatório, ondulante como o devir das estações no coração do tempo, entregando-o às montanhas, à neblina, às águas, à natureza primordial.
O palco de todo o filme é um enorme lago, rodeado de montanhas e coberto pelo céu, onde árvores milenares emergem vivas, semi afundadas nas águas, rodeado de uma vegetação verdejante, criaturas da natureza, regatos cristalinos, quedas de água e rochas agrestes. Da margem, duas portas de madeira, decoradas com duas figuras religiosas, abrem-se para o lago, como uma cortina que desvela a realidade e iniciam o espectador na passagem do tempo, entre as estações, distanciadas por vários anos, abrindo-se para os personagens e para o espectador, no início de cada estação. No meio do lago um pequeno templo budista, suspenso sob as águas, como uma ilha flutuante. No templo, um velho mestre budista e o seu discípulo, ao qual o velho monge procura ensinar as verdades essenciais da vida. É neste cenário, um templo de madeira no centro de um lago, onde duas figuras de pedra olham as margens, enquadrado por umas portas de madeira iniciáticas, que as personagens do filme vão interagir, deslocando-se num pequeno barco de madeira entre as margens do lago e o templo, ao ritmo das estações e da vida.
Na primeira estação, a Primavera, o velho mestre procura ensinar o seu discípulo, ainda criança, sobre os principais ensinamentos budistas e a inevitabilidade da dor. Figura omnipresente, o mestre budista contempla impassível, o despontar da perversidade infantil, ao observar o seu discípulo enrolar uma pedra, atada por um fio, primeiramente a um pequeno peixe, depois a uma rã e ainda a uma serpente. Atadas e obrigadas a carregar uma pedra, as pequenas criaturas da natureza, impossibilitadas de se moverem, sofrem, arrastando interminavelmente o peso da pedra. Na manhã seguinte, o velho monge, ata com uma corda uma pedra ao corpo da criança, seu protegido, seu discípulo, que imediatamente reconhece a maldade praticada. O monge diz-lhe então para encontrar e libertar os três animais do seu fardo, acrescentando que, se algum deles tiver morrido, carregará aquela pedra no seu coração para sempre. A criança, igualmente carregando a sua pedra, literalmente, encontra os três animas mas só um deles se encontra ainda vivo, pois o peixe encontra-se morto no fundo das águas e a serpente coberta de sangue, esfacelada nas pedras, também morta. A criança descobre então a inevitabilidade da dor e o fardo da vida, bem como a consequência no mundo de cada acção praticada, e chora, observada pelo mestre, no seu primeiro e brutal contacto com a dor. De uma simplicidade impressionante, e para além de qualquer mero ensinamento moral, toda a sequência, onde a intensidade emocional vive de pequenos apontamentos de uma fragilidade tormentosa, impõe-se pela violência do despontar da dor e do início do ciclo imutável da vida, onde o sofrimento e a morte, enquanto realidades dessa mesma vida, acompanharão para sempre o pequeno monge.
A segunda estação, o Verão, a que o espectador acede depois de abertas novamente as portas para o esplendoroso lago, como um ritual que se vai prolongar ao longo de todas as estações, apresentam-nos uma das mais belas sequências do filme onde o discípulo do mestre, agora com cerca de dezassete anos, vai perder a inocência e conhecer os prazeres do corpo com a rapariga que o velho monge aceitara, no templo, para curar de uma doença. Capítulo de uma enorme beleza, emocionalmente tocante, torna inesquecíveis os passeios de barco entre os adolescentes apaixonados, sob a luz das águas, os olhares trocados no exíguo espaço do templo, à noite, enquanto o mestre dorme, a chuva de verão, as cenas da cópula, (precedidas metaforicamente pelas duas cobras que o jovem discípulo encontra em acasalamento), entre as pedras, no barco, com a inocência do primeiro amor, sem troca de palavras, são extremamente simples, mas de uma eficácia comovente, pela naturalidade com que Kim Ki-Duk filma o progressivo envolvimento dos amantes. O capítulo, prenúncio da morte, termina com o regresso da rapariga à sua casa, já curada, e um novo ensinamento: a luxúria desperta o desejo de possuir, e a possessão conduz ao assassínio em defesa daquilo que se possui. O jovem discípulo, possuído pelo desejo, abandona o templo e o mestre e vai procurar no mundo a satisfação do prazer a que não consegue fugir e onde encontrará a perdição espiritual.
No terceiro capítulo, correspondente ao Outono, o jovem monge, já adulto, regressa ao templo, despido da inocência primordial, carregado de ódio e de sangue, pelo que passará por um processo de purificação, espiritual e corporal (fabulosa a imagem do corpo do discípulo pendurado por cordas e vergastado de sangue, suspenso no ar), antes de ser levado a cumprir uma pena como punição pelo assassínio cometido. Neste capítulo, é memorável a imagem quase surreal da pintura do Sutra libertador na madeira do chão do templo com a cauda do gato, e despois gravado na madeira com a faca do crime e posteriormente pintado como um quadro, uma caligrafia libertadora, uma oração em madeira. O capítulo termina com o auto imolamento do velho monge, no barco, sob uma pira de fogo, onde após a sua morte uma serpente desliza sob as águas, em direcção ao templo.
Na última estação, o Inverno, as portas abrem para um lago gelado, de uma beleza árida e impressionante, e assiste-se ao regresso do discípulo do velho monge, (aqui interpretado pelo próprio realizador) que avança para a redenção final e para o cumprimento do ciclo imutável do mundo, descobrindo o velho barco afundado sob o gelo e constatando a morte do mestre. Neste capítulo, encerra-se o ciclo, ao ser deixado ao seu cuidado uma criança, de tenra idade, que será o seu discípulo, à semelhança de si próprio. A mãe da criança, que morre afogada ao cair num buraco de gelo, vai precipitar a brutal redenção (aproximando-se aqui o budismo do catolicismo, num acto de contrição) do discípulo regressado que arrastará, atada ao seu corpo, uma enorme pedra pelas montanhas cobertas de neve, para ir depositar a estátua de uma divindade num rochedo de uma montanha distante, mas de onde se contempla o templo e as águas do lago, que ficarão sob o olhar da divindade, no ciclo imutável da natureza e na sucessão das estações. Consentâneo com a eternidade do ciclo da vida, o novo monge prepara-se para iniciar o seu papel, numa nova Primavera.
Primavera, Verão, Outono, Inverno… e Primavera, não é um filme perfeito, não será sequer uma obra-prima, mas perfura-nos de beleza e simplicidade, não escolhe o sempre perigoso didatismo religioso (lembre se que o realizador, católico de formação, inventou os cerimoniais budistas apresentados no filme, assim como as decorações e objectos do templo, que foi totalmente construído sob as suas indicações), é, sob a sua aparente simplicidade, dono de um simbolismo não imediato (por exemplo a cada estação corresponde um animal, na Primavera um cão, no Verão um galo, no Outono um gato, no Inverno uma serpente, e ainda no epilogo, uma tartaruga; a ausência de nomes para todas as personagens, o rosto escondido em panos da mulher que entrega o filho, a pedra como metáfora da dor existencial, mais do que física) e deslumbra-nos com uma espiritualidade a que acedemos sem fazer qualquer esforço e que abandonamos com dificuldade, quando o filme acaba, e as luzes da sala se acendem, como se ficássemos com uma ausência qualquer, uma dor indefinida, uma pedra no coração.
sábado, junho 26, 2004
Volto para informar a menina lebre que também já tenho bilhetes para a Lhasa.
Osdiasfelizes 0 – P.J Harvey 4
Fura dels Baus 0 – P.J. Harvey 3
La Mala Educacion 1 – P.J. Harvey 2
Como qualquer alma incauta que se aventure nestes dias felizes, por mistérios do destino, à espera de encontrar algo em que vale a pena raspar os olhos, proclamo a morte oficial de qualquer tentativa, ainda que tímida, de escrever regularmente para este Blog, no qual me passeio à sombra do meu umbigo, (umbigo discreto, pois claro), sem protector solar, chapéu-de-sol ou qualquer outro artefacto veranil. O sol aqui é fraco e não queima a pele, sinto-me em casa.
Desiludido no entanto com os Fura Del Baus, que trouxeram a Portugal um trabalho frouxo e constrangedor, digno de ser apresentado na feira de Carcavelos ou qualquer outro ajuntamento sócio-cultural de massas. TVI com eles. Uma vergonha que me faz sentir velho, nostálgico. Que saudades da estufa fria!
Outra coisa que não me anda a encaixar bem é o novo filme do Almodóvar. Com muita pena minha pois gostava de escrever uma coisinha mais seria sobre o assunto. Travestis, operações plásticas, mamas, snifs de coca, overdoses, realizadores de cinema, escritores e editoras, personagens autênticas, enredos policiais, colégios religiosos, saras montieis e outros quejandos intermináveis não chegam para fazer um filme que me surpreenda. È mais duro sim senhor, e chega a roçar o excelente “ A lei do Desejo”, e os primórdios fabulosas de Almodôvar, mas não me alcançou o coração. Cinicamente underground para um público notoriamente mainstream, La Mala Education não é um mau filme de Almodôvar, mas é como fazer sempre sexo na mesma posição, para quem já experimentou o kamasutra: é chato, mecânico e dá caimbras. A não ser que seja uma primeira obra, claro está.
Almodôvar será sempre incapaz de um mau filme, ainda mais quando os dois últimos são obras primas fabulosas, e não tem de ceder a ninguém para além de si mesmo, mas para quem viu os primeiros filmes de Almodôvar, à época, La Mala Educacion não pode deixar de saber a refogado e a roupa-velha. Filme umbilical, destinado a homoerotizar em grande escala o rabo do rapazote do filme, aqui bastante aquém da grande interpretação que nos deixou no espectacular Amores Perros, de Alejandro González Inárritu e que revi há pouco tempo. Refiro-me ao actor e não ao rabo. Pronto, agora quem gostou do filme venha cá bater-me.
Mas, nem tudo é tristeza e comiseração nostálgica. Ando viciado no novo álbum da P. J Harvey, que, embora não sendo genial, faz entrar em mim doses alucinantes de boa música para as veias. Sexy, melancólico, agressivo, intimista, faz maravilhas pela alma.
Shame, shame, Shame
Shame is the Shadow of Love
Fura dels Baus 0 – P.J. Harvey 3
La Mala Educacion 1 – P.J. Harvey 2
Como qualquer alma incauta que se aventure nestes dias felizes, por mistérios do destino, à espera de encontrar algo em que vale a pena raspar os olhos, proclamo a morte oficial de qualquer tentativa, ainda que tímida, de escrever regularmente para este Blog, no qual me passeio à sombra do meu umbigo, (umbigo discreto, pois claro), sem protector solar, chapéu-de-sol ou qualquer outro artefacto veranil. O sol aqui é fraco e não queima a pele, sinto-me em casa.
Desiludido no entanto com os Fura Del Baus, que trouxeram a Portugal um trabalho frouxo e constrangedor, digno de ser apresentado na feira de Carcavelos ou qualquer outro ajuntamento sócio-cultural de massas. TVI com eles. Uma vergonha que me faz sentir velho, nostálgico. Que saudades da estufa fria!
Outra coisa que não me anda a encaixar bem é o novo filme do Almodóvar. Com muita pena minha pois gostava de escrever uma coisinha mais seria sobre o assunto. Travestis, operações plásticas, mamas, snifs de coca, overdoses, realizadores de cinema, escritores e editoras, personagens autênticas, enredos policiais, colégios religiosos, saras montieis e outros quejandos intermináveis não chegam para fazer um filme que me surpreenda. È mais duro sim senhor, e chega a roçar o excelente “ A lei do Desejo”, e os primórdios fabulosas de Almodôvar, mas não me alcançou o coração. Cinicamente underground para um público notoriamente mainstream, La Mala Education não é um mau filme de Almodôvar, mas é como fazer sempre sexo na mesma posição, para quem já experimentou o kamasutra: é chato, mecânico e dá caimbras. A não ser que seja uma primeira obra, claro está.
Almodôvar será sempre incapaz de um mau filme, ainda mais quando os dois últimos são obras primas fabulosas, e não tem de ceder a ninguém para além de si mesmo, mas para quem viu os primeiros filmes de Almodôvar, à época, La Mala Educacion não pode deixar de saber a refogado e a roupa-velha. Filme umbilical, destinado a homoerotizar em grande escala o rabo do rapazote do filme, aqui bastante aquém da grande interpretação que nos deixou no espectacular Amores Perros, de Alejandro González Inárritu e que revi há pouco tempo. Refiro-me ao actor e não ao rabo. Pronto, agora quem gostou do filme venha cá bater-me.
Mas, nem tudo é tristeza e comiseração nostálgica. Ando viciado no novo álbum da P. J Harvey, que, embora não sendo genial, faz entrar em mim doses alucinantes de boa música para as veias. Sexy, melancólico, agressivo, intimista, faz maravilhas pela alma.
Shame, shame, Shame
Shame is the Shadow of Love
terça-feira, junho 22, 2004
chegar a casa, abrir os pulmões.
quinta-feira, junho 10, 2004
o melhor é reaparecer no silêncio, como se não tivesse sido nada.como a água que corre.os tornozelos são ossos muito frios.
Daniel Faria,
Explicação das Árvores e de Outros Animais 1998
Estranho é o sono que não te devolve.
Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
de quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
de quem já só por dentro se ilumina
e surpreende
e por fora é
apenas peso de ser tarde.Como é
amargo não poder guardar-te
em chão mais próximo do coração.
Daniel Faria,
Explicação das Árvores e de Outros Animais 1998
Estranho é o sono que não te devolve.
Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
de quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
de quem já só por dentro se ilumina
e surpreende
e por fora é
apenas peso de ser tarde.Como é
amargo não poder guardar-te
em chão mais próximo do coração.
quinta-feira, maio 13, 2004
Perry Blake
Songs for someone
Títulos:
01/ We are not stars
02/ When i'm over you
03/ Lies, lies, lies
04/ The fox in the winter
05/ Ava
06/ Songs for someone
07/ You're not alone
08/ Native new yorker
09/ Tropic of cancer
10/ Travelling
11/ We couldn't decide
12/ The end of the affair
13/ Coming home
Já ouvi o novo disco do Perry Blake sacado directamente do soulseek para o coração. Confesso ter um amor inabalável pela música e pela voz deste homem, roçando a paixão. Fosse ainda adolescente e passaria tardes inteiras em enlevos homoeróticos com a voz de Blake, roçando as capas dos discos na pele trémula dos dedos, imitando às escuras as inflexões de falsete do irlandês, imaginando-me narcisicamente no palco, transformado em crooner borbulhento, pose decadente, metamorfoseado em lírico existencial, um sedutor de roupas de veludo. Passada a paixão que me provocou o primeiro e segundo álbum (“Perry Blake e “Still Life”), alcancei o estado amoroso eterno (já livre das tentações da carne) com o poço de beleza em que “Broken Statues” nos afunda. O primeiro arrufo, que surgiu com o “Califórnia” (álbum perverso de Blake na sua aparente ligeireza e que agora amo como os outros), depressa terminou e encontro-me de novo à mercê da pop sinfónico-lírica-barroca-nostálgica de Perry Blake. E, apesar de não se encontrar espinhos de beleza incrustados em canções como Blackbird, Genevieve ou The Hunchback of San Francisco, Songs for someone contém músicas cuidadosamente embrulhadas num tecido cristalino que penetram sob a superfície da pele e nos percorrem as veias, devagarinho, até ao deleite e à rendição, como Ava ou The Fox In The Snow. Algures entre o romantismo carregado de still Life e as melodias e os arranjos envenenados de Califórnia, Perry Blake regressa com um álbum destinado a recuperar amores perdidos e a fazer perder aqueles que, por um motivo qualquer, nunca se perderam. Ah, e vale a pena esperar para ouvir a faixa escondida do disco, e ouvir Perry Blake cantar, em estado de nudez: She´s beautiful, so beautiful, She´s beautiful and She´s mad, She´s beautiful, So Beautiful, She´s beautiful and She´s Sad, la la la lala la la lalala la la la la
Songs for someone
Títulos:
01/ We are not stars
02/ When i'm over you
03/ Lies, lies, lies
04/ The fox in the winter
05/ Ava
06/ Songs for someone
07/ You're not alone
08/ Native new yorker
09/ Tropic of cancer
10/ Travelling
11/ We couldn't decide
12/ The end of the affair
13/ Coming home
Já ouvi o novo disco do Perry Blake sacado directamente do soulseek para o coração. Confesso ter um amor inabalável pela música e pela voz deste homem, roçando a paixão. Fosse ainda adolescente e passaria tardes inteiras em enlevos homoeróticos com a voz de Blake, roçando as capas dos discos na pele trémula dos dedos, imitando às escuras as inflexões de falsete do irlandês, imaginando-me narcisicamente no palco, transformado em crooner borbulhento, pose decadente, metamorfoseado em lírico existencial, um sedutor de roupas de veludo. Passada a paixão que me provocou o primeiro e segundo álbum (“Perry Blake e “Still Life”), alcancei o estado amoroso eterno (já livre das tentações da carne) com o poço de beleza em que “Broken Statues” nos afunda. O primeiro arrufo, que surgiu com o “Califórnia” (álbum perverso de Blake na sua aparente ligeireza e que agora amo como os outros), depressa terminou e encontro-me de novo à mercê da pop sinfónico-lírica-barroca-nostálgica de Perry Blake. E, apesar de não se encontrar espinhos de beleza incrustados em canções como Blackbird, Genevieve ou The Hunchback of San Francisco, Songs for someone contém músicas cuidadosamente embrulhadas num tecido cristalino que penetram sob a superfície da pele e nos percorrem as veias, devagarinho, até ao deleite e à rendição, como Ava ou The Fox In The Snow. Algures entre o romantismo carregado de still Life e as melodias e os arranjos envenenados de Califórnia, Perry Blake regressa com um álbum destinado a recuperar amores perdidos e a fazer perder aqueles que, por um motivo qualquer, nunca se perderam. Ah, e vale a pena esperar para ouvir a faixa escondida do disco, e ouvir Perry Blake cantar, em estado de nudez: She´s beautiful, so beautiful, She´s beautiful and She´s mad, She´s beautiful, So Beautiful, She´s beautiful and She´s Sad, la la la lala la la lalala la la la la